sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Quando Lenin nos deixou

* 22/02/1870 + 21/01/1924
Por ocasião dos 90 anos da morte de Lênin (21/01), reproduzo aqui um fragmento do livro "Assim foi temperado o aço" de Nicolai Ostroviski, que retrata o sentimento do povo soviético diante da notícia da morte de seu grande líder.
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As telegrafistas eram jovens; o comprimento da fita escrita por elas desde o primeiro dia de serviço, não passava de vinte quilômetros. Ao passo que o velho, seu companheiro de trabalho, começava já a terceira centena. Não lia as fitas, como elas, nem enrugava o cenho ao compor as palavras difíceis. Escreva no papel palavra após palavra, escutando atento as batidinhas do aparelho. Seu ouvido percebia: "A todos, a todos!"

Enquanto escrevia, o telegrafista pensou: "Certamente, uma nova circular sobra a luta contra a obstrução das linhas pela neve".
Atrás da janela, o vento da tempestade lançava flocos de neve contra a vidraça. Ao telegrafista pareceu que alguém batia na janela: voltou a cabeça e, sem querer ficou contemplando com admiração os belos desenhos feitos nos vidros pela neve. Não há mão humana capaz de traçar essas gravuras delicadíssimas, de caprichosas folhas e ramos.

Atraído esse espetáculo, deixo de escutar o aparelho e, quando retirou os olhos da janela, tomou a fita na palma da mão, para ler as palavras que tinham passado inadvertidas.

O aparelho havia transmitido:
"Vinte e um de janeiro, às seis horas e cinquenta minutos..."
O telegrafista anotou rapidamente o que leu e, largando a fita, apoiando a cabeça na mão, pôs-se a escutar:

"Ontem, em Gorki, faleceu..." O telegrafista anotou lentamente. Quantos comunicados alegres e trágicos havia escutado em sua vida! Ele era o primeiro a conhecer a felicidade e a dor alheias. Há muito tempo que havia deixado de pensar no sentido das frases sóbrias e truncadas; apanhava-as de ouvido e escrevia-as mecanicamente no papel, sem refletir no seu conteúdo.

Agora alguém tinha morrido, e a alguém se comunicava isso. O telegrafista tinha esquecido o título: "A todos, a todos, a todos!" O aparelho batia as teclas: "V-l-a-d-i-r-I-l-i-tch"; o velho telegrafista traduziu em letras as batidas do aparelho. Continuava sentado tranquilamente, um pouco fatigado. Em alguma parte havia morrido um tal Vladimir Ilitch, e ele estava escrevendo hoje, para alguém, estas palavras trágicas; alguém estalaria em soluções de desespero e sofrimento, mas tudo isso lhe era indiferente, ele era uma testemunha à margem. O aparelho marcava pontos, traços, de novo pontos, outra vez traços, e ele, dos sinais já conhecidos, formou a primeira letra e escreveu no papel: era o "L". Depois dele escreveu a segunda: o "E". A seu lado acrescentou cuidadoso um "N", marcando por duas vezes o tracinho entre as duas linhas. Em seguida, uniu a ele o "I", e de um modo já automático, anotou a última letra: "N".

O aparelho fez uma pausa e, durante um décimo de segundo, o telegrafista deteve seu olhar na palavra que acabava de escrever: LENIN.
O aparelho continuava batendo as teclas, mas o pensamento, que havia tropeçado casualmente nesse nome conhecido, voltou de novo a concentrar-se nele. O telegrafista olhou uma vez mais a última palavra: LENIN. Como? Lenin? O cristalino do olho refletiu em perspectiva todo o texto do telegrama. Por uns instantes o telegrafista olhou a folha de papel e, pela primeira vez em trinta e dois anos de trabalho, não acreditou no que tinha escrito.

Por vezes percorreu rápido as linhas, mas as palavras se repetiram insistentes: "Faleceu Vladmir Ilitch Lenin". O velho pôs-se em pé de um salto, levantou a fita em espiral e cravou os olhos nela. A fita de dois metros de comprimento confirmava o que ele não podia acreditar! Voltou o rosto, lívido como o de um cadáver, para suas camaradas, e estas ouviram sua exclamação assustada:
- Lenin morreu!

A notícia da grande perda saltou da sala de aparelhos pelas portas abertas de par em par e, com a rapidez do vento tempestuoso, correu veloz pela estação, atravessou a nevasca, percorreu como um torvelinho as linhas férreas e as agulhas e, junto com a corrente ar frio, irrompeu pela porta entreaberta do depósito ferroviário.

No depósito, sobre o primeiro fosso, uma locomotiva estava sendo consertada pela brigada de reparações ligeiras. O velho Polientovski achava-se no fosso, debaixo da sua locomotiva, e mostrava aos ajustadores as partes avariadas. Brusjak endireitava com Artiom a grade retorcida. Ele a segurava na bigorna e Artiom descarregava sobre ela os golpes de seu martelo.
(...) Artiom, que havia levantado o martelo, não descarregou o golpe.
- Camaradas! Lenin morreu!

O martelo resvalou lentamente pelo ombro e a mão de Artiom deixou-o sem ruído sobre o chão de cimento.
- Que é que disseste? - As mãos de Artiom agarraram como tenazes o couro do casaco de quem havia trazido a notícia terrível.
E este, coberto de neve, ofegante, repetiu já com voz surda e entrecortada:
- Sim, camaradas, Lenin morreu.

(...) Os homens saíram dos fossos e escutavam em silêncio a notícia da morte daquele cujo nome era conhecido em todo o mundo.
 (...) O depósito enchia-se de gente, que afluía por todas as portas. Quando o grande edifício estava abarrotado, no fúnebre silêncio ressoavam as primeiras palavras.

Falou o velho bolchevique Charabrin, secretário do comitê regional de Chepetovka.
- Camaradas! Morreu o chefe do proletariado mundial, Lenin. O Partido sofreu uma perda irreparável, morreu aquele que criou e educou o Partido Bolchevique no ódio irreconciliável aos inimigos... A morte do chefe do Partido e da classe operária chama os melhores filhos do proletariado às nossas fileiras...

Os acordes da marcha fúnebre; centenas de cabeças descobertas, e Artiom, que nos últimos quinze anos não havia chorado, sentia como a angústia lhe subia a garganta e como tremiam suas espáduas poderosas.

Parecia que os muros do clube ferroviário não iam poder resistir ao impulso das massas humanas. No pátio, o frio era muito intenso (...)

Trecho do livro "Assim foi temperado o aço" (Editora Expressão Popular).