sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O iluminismo da Geração Coca-Cola

Renato Russo é sem duvida o músico que melhor expressou as fases transitórias da juventude brasileira desde a revolta com o regime militar, à esperança dos tempos de “diretas já” e reabertura política, até a desesperança e o descaminho diante do caótico cenário neoliberal da década de 90.                                                              Que jovem contemporâneo de Renato nunca cerrou os punhos ao som de “Que país é este?”. Embora a canção seja tema no terceiro álbum da Legião Urbana lançado em 1987, foi durante a caduca ditadura militar e com influência do punk inglês que nasce o hit.

A contestação é tema presente em toda a discografia da Legião Urbana,  mesclam-se a elas canções bucólicas e outras que soam com tom profético de hinos religiosos que levavam reflexões a quem se dispusesse a ouvir.

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há!” (País e Filhos, 1989).

Mas que canção seria mais emblemática para encabeçar a trilha sonora desta juventude que “Geração Coca-Cola”?

Quando nascemos fomos programados
A receber o que vocês 
Nos empurraram com os enlatados 
Dos USA, de 9 às 6.

Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.

É quase que um vômito, um tapa na cara da sociedade, um misto de repúdio e vontade de mudar os rumos. Com toda a energia do punk inglês radicalizado no planalto central, Renato anuncia a que veio e quem é esta geração:

Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola.

Conhecendo o repertório da Legião, nos soa estranho uma composição em que se intitulem “burgueses sem religião”, não foi a toa que Renato Russo foi tomado como um profeta moderno, um John Lennon brasileiro. O misticismo do caçula da família Manfredini permeava as letras e fazia a cabeça da moçada.

Nunca soube o que de fato este refrão significasse, mas tenho uma dedução:

Somos os filhos da revolução: esta é outra canção criada por Renato enquanto vocalista da então banda punk Aborto Elétrico. Seu pano de fundo é o declínio lento e gradual da ditadura militar. Os militares insistiam em chamar o golpe de “Revolução de 64”. Para mim esta primeira frase do refrão é uma clara ironia que em outras palavras diz: “estão escandalizados com esses punks vestidos de roupas rasgadas e questionadores da ordem e da moral? Parabéns, eis os filhos da sua “revolução!”

Depois de vinte anos na escola
Não é difícil aprender
Todas a manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser?

Somos burgueses sem religião: Renato era filho da classe média brasileira, tinha sérios conflitos com seu pai, um economista de direita. Nunca foi um ateu, era conhecido por seus colegas pela busca da espiritualidade. Este verso me parece ter inspiração nos iluministas franceses, os burgueses revolucionários que subverteram a ordem do feudalismo, desafiaram a igreja e viraram a mesa do Estado. Invocam a mesma ousadia daqueles que decapitaram o rei da França para anunciar que está na hora desta geração romper com a sociedade vigente.

Para mim fica evidente a pretensão revolucionária nos versos seguintes:

Vamos fazer nosso dever de casa
E aí então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis.

Somos os filhos da revolução

Somos burgueses sem religião

Somos o futuro da nação

Geração Coca-Cola.

Posso ter viajado nesta análise, mas se terminou esta leitura com vontade de ouvir Legião Urbana tomando uma Coca-Cola gelada, já cumpri meu objetivo (risos).



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