Paranhos é uma pequena cidade do
interior sul-mato-grossense. Espremida entre fazendas postas numa planície
chapada e com única estrada de acesso sublinhada pelas cercas de madeiras
ligadas a arames. As portas da cidadela de cerca de 10 mil habitantes, um acampamento
do MST em situação precária para recepcionar os viajantes que ali chegam, deixa
a entender as contradições que um desavisado encontrara no percurso.
Paranhos é um retrato de tantas
outras cidades do interior brasileiro. Tão distante dos grandes centros urbanos,
a pobreza e a ausência de estruturas necessárias coexistem com as grandes
propriedades fundiárias e o invejável passeio de caminhonetes 4x4 dos que
ostentam a glória de ter enriquecido aonde muitos empobrecem.
Estive na cidade por ocasião do
casamento de um primo – na verdade, primo da minha namorada, mas que o
considero desta forma. A receptividade dos habitantes é incrível. Alegram-se
com a presença dos “de fora” e a cada conversa surge uma amizade, afinal, em
dois dias numa cidade deste porte não seria surpresa que encontrasse cada um
pelo menos duas vezes.
Estamos numa fronteira
sul-americana. Quando cessa a espessa camada de asfalto e se vê numa área quase circular a construção de um estandarte de bandeiras, estamos no Paraguai.
As ruas de chão batido e as motocicletas que circulam pilotadas por crianças,
homens e mulheres - às vezes amontoados em três num mesmo veículo - todos sem capacetes
dão o tom da cidade vizinha, Ypejhú-PY.
No alto, o monumento que demarca a fronteira com o Paraguai (Ypejhú).
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O Hotel Hebrom não tem qualquer
aspecto de que mereça alguma estrela, mas a simpatia dos que ali atendem
dispensa a necessidade do “luxo”. Os quartos estão dispostos em dois complexos,
todos com as portas voltadas para fora, sem corredores. Um pequeno prédio com
quatro quartos em baixo, quatro em cima. Outros tantos quartos se encontram em
três partes de forma rasteira – sem andares – que se encontra em formato de
“U”, mas ao contrário.
Em frente do hotel, uma
costumeira praça com caminho de passeio, diversos bancos e um parquinho de chão de areia cercados de decoração de natalina com materiais
recicláveis e dezenas de árvores com troncos encapados em material TNT.
Numa preguiçosa manhã de domingo
em que o sol escaldante já nos presenteava com intenso calor, fui ao pequeno
refeitório do Hotel para o café matinal. Pães franceses, fatias de cuca,
presunto e mussarela. Era tudo. Sem faltar o tradicional café com leite. Foi
servindo-me que esbarrei sem querer em Juan Carlos, que na intenção de
desculpar-se proferiu alguma palavra em espanhol. “É paraguaio!” – pensei.
Sentando numa mesa próxima, imaginei como seria interessante compartilhar
alguns dedos de prosa com um filho de outra pátria. Foi quando decidi iniciar
uma conversa da maneira mais original que me veio à cabeça:
– Que dia quente ein amigo!
– Yo no hablo português muy bien –
respondeu meio sem jeito.
Arriscando um portunhol que não
tenho coragem de transcrever, indaguei – É paraguaio?
– No – uma pausa para engolir o
pão – Soy cubano!
Que espanto. Um cubano nos
confins do Mato Grosso do Sul, morando ali no quarto 30 do hotel Hebrom numa fronteira
seca com o Paraguai? Logo descobri que se tratava de um médico cubano, desses
que desembarcaram no Brasil para trabalhar pelo programa “Mais Médicos”.
Juan Carlos já é experiente em
missões cubanas a países que solicitam ajuda para suprir a escassez desse tipo
de “mão-de-obra”. Por aqui como sabemos, a questão central se dá pela falta de
interesse desta categoria extremamente elitizada em clinicar em cidades como esta. Este cubano já passou por Timor Leste, Haiti,
Paquistão e Venezuela. Quando perguntado qual experiência mais lhe agradou, não
pensou duas vezes ao responder Venezuela. No país do saudoso Hugo Chávez, o
programa “Bairro adentro” levou médicos as favelas e comunidades mais carentes,
aonde os serviços públicos rareavam. Ao contrário, a experiência que mais lhe
desagradou foi no Paquistão, país majoritariamente muçulmano cravado entre o
Oriente Médio e a Índia. O permanente conflito religioso entre muçulmanos e
hindus geram assassinatos, atentados e todo tipo de violência advinda da
intolerância religiosa.
Embora entenda que estava
entrando num assunto constrangedor, não poderia deixar de perguntar sobre os
honorários. Juan titubeou, enquanto tentava responder ficava evidente a
preocupação em fazê-lo de forma cuidadosa. O cubano me explicou que a maior
parte dos R$ 10 mil são destinados a uma conta pessoal que mantém para usufruir
quando regressar a ilha, retira para si apenas uma quantia necessária para
viver tranquilamente no Brasil. Rebolou para me explicar da porque
uma quantia é depositada para o governo cubano, se justificou lembrando que contribuíam
para que seu país oferecesse educação, saúde, cultura, serviços públicos de qualidade
para seus conterrâneos. A excessiva preocupação da justificativa me fez
intervir:
– Claro, compreendo Juan. Defendo
a Revolução Cubana. Sou militante do Partido Comunista do Brasil!
O
ar mudou. Estava
expresso em seu olha que lhe tranquilizava com esta informação. Juan festejou e me disse das besteiras que já
ouviu da boca de brasileiros sobre o regime cubano e indignou-se ao falar da
lógica médica brasileira:
Juan Carlos Martinez Valido |
– Con la salud de la gente no “se lucra”!
A simplicidade do cubano seja nos
trajes, moradia ou nas relações pessoais contrasta com a pompa que geralmente
pairam sobre os médicos brasileiros. Esta seria uma boa explicação para revelar porque Juan teceu tantos
elogios a hospitalidade sul-mato-grossense. Por aqui é raro ter uma relação
igualmente nivelada entre médicos e pacientes.
A conversa seguiu sobre tantos
outros assuntos. Saindo do ambiente da conversa chamei a funcionária do hotel
para tirar uma foto com o cubano. Juan sorriu meio sem jeito e entendi que a
tietagem era um tanto vergonhosa, mas prossegui, afinal, foi uma honra conhecer
Juan, um abnegado latino-americano que pôs seus conhecimentos a serviço do
nosso povo.
Juan Carlos Martinez Valido - encontrei o nome completo no site do Ministério da Saúde - se despediu com uma saudação tipicamente brasileira e seguiu rumo ao quarto 30 do hotel Hebrom, local em que se instalou provisoriamente.
Juan Carlos Martinez Valido - encontrei o nome completo no site do Ministério da Saúde - se despediu com uma saudação tipicamente brasileira e seguiu rumo ao quarto 30 do hotel Hebrom, local em que se instalou provisoriamente.
muito bom Tosti.
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