terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Carta a um amigo anticomunista


Caro amigo,

Depois de muito comentarem, resolvi ler sua carta “testemunho”. Quanto tempo não nos vemos camarada. Sempre te considerei um amigo, tenho ótimas lembranças dos anos em que militamos ombro a ombro.

Confesso que fiquei surpreso ao ler o relato em que descreve sua saída da União da Juventude Socialista (UJS) e das fileiras do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Mas o que mais me espantou em seu “testemunho” foi a forma com que expos sua nova concepção ideológica, regada de anticomunismo.

Lendo seu relato fiz uma breve reflexão. Compreendo suas indagações, um dia eu também as tive, mas nego os seus “porquês”. Por isso resolvi lhe escrever.

Desde minha filiação a UJS em 2005, muitos questionamentos tomaram minha mente. Pode alguém ser cristão e comunista? Posso servir a Cristo e aos ideais de Marx ao mesmo tempo? Claro que a resposta para essas perguntas vieram com o passar dos anos e o amadurecimento, mas lembro-me de um momento marcante nesta caminhada. Numa bela manhã de 2010, um velho professor de Filosofia do colegiado de Serviço Social da UNIOESTE nos levava a discussão de um célebre texto de Aristótoles, “Ética à Nicômaco”. Num determinado momento o mestre disparou: “Não há compartimentos na alma!”

– Caramba, é isso! – Pensei – Não há compartimentos na alma. Não sou ora cristão, ora comunista. Sou cristão e comunista. Sou tudo isso ao mesmo tempo. E é isso que sou!!!

Compreendendo os dilemas que o meu velho amigo teve, mas fiz o caminho inverso. Ao contrário de você, todos os meus questionamentos não me tornaram um anticomunista, mas reforçaram em mim a necessidade de lutar por outro modelo de sociedade. Por isso gostaria de respeitosamente desconstruir alguns argumentos que encontrei em seu “testemunho”.

Suas indagações são pertinentes, mas as respostas que encontrou são vazias e infundadas.  Chamar Lenin de assassino é no mínimo imaturidade teórica. Você apenas comprou a história contada do ponto de vista dos opressores, não há fatos concretos que provem tal teoria. Lenin foi o líder de uma revolução, e revolução é um processo dolorido com certeza, mas quem promoveu as maiores revoluções burguesas do século XVIII senão cristãos protestantes da Europa? Por acaso isso faz dos cristãos assassinos? Se chama Lenin de assassino pelo processo de guerra civil que desencadeou no pós-Revolução Russa, eu o chamo de herói. Um herói que defendeu seu povo, afinal, Lenin era apenas líder, os condutores desta revolução foram os próprios trabalhadores. Se defender sua pátria e os trabalhadores faz de Lenin um assassino, o que dizer de todos os cristãos que cerram fileiras nos diversos exércitos nacionais mundo a fora para defender os interesses da burguesia?

Evidente que as muitas experiências socialistas têm seus erros e acertos. Por muito tempo, cristãos e comunistas se opuseram num campo de batalha. Mas demonizar o comunismo por erros estratégicos não é muito inteligente. O que dizer então de uma potência norte-americana e seus líderes EVANGÉLICOS que matam e empilham corpos em nome da “liberdade”? O que dizer do catolicismo que levou milhares à morte em nome de Cristo? O que dizer dos cristãos que apoiaram ditaduras sangrentas com a desculpa de que combatiam o movimento comunista?

Acompanhei do interior a saga de muitos como você que deixaram o lar, suas famílias, sonhos e foram militar na capital paranaense. Embora eu saiba das imensas dificuldades que passam em Curitiba pela falta de recursos, acredito que sejam problemas relacionados a deficiência de estruturas que nosso partido possui e ao problema de gestão das nossas entidades, como capitação de recursos, do qual você também era responsável. E quanto a tudo isso, compreendo que o que passou foi duro para um jovem, mas tantos outros antes de você pagaram um preço ainda mais alto pela liberdade política do nosso povo.

Foi com pesar que vi por várias vezes você e outros camaradas usarem drogas. A maconha com mais freqüência. Isso é questão de escolha camarada. Milito nesta entidade desde os meus 17 anos e nunca usei tais substâncias, e todos sabem da minha abstinência do álcool. Infelizmente a questão das drogas e do álcool tem haver com uma cultura juvenil latinoamericana, me preocupo com isso, mas devo dizer que culpar a militância por seus vícios é no mínimo irresponsabilidade e falta de humildade quando atribuir a outros fatores uma escolha que é sua, somente sua.

Meu grande amigo, sua carta é bem mais extensa que a minha, há muitas coisas pelas quais poderia comentar, refutar ou mesmo concordar. Mas confesso que de todas elas, o que mais me chamou a atenção foi a forma como expõe sua convivência com os “socialistas e comunistas”, como se fosse um Daniel na cova dos leões. Ora, é este o evangelho que lhe converteu? Cristianismo acaso é viver como Jimy Bolha preso ao convívio de outros crentes e desprezando os relacionamentos com amigos que não partilham da mesma fé?

Lembro-me bem que nas últimas vezes em que estivemos juntos eu te chamei de “contradição ambulante”. Fazia isso no sentido de lhe alertar sobre a mistura incoerente entre comunismo e neopentecostalismo. Esses sim são incompatíveis. Não sou da turma do deixa disso, como cristão que carrega o legado de Lutero e Calvino, rejeito a “teologia da prosperidade” que Lagoinha e tantos outros “tele-evangelistas” como R. R. Soares e Valdemiro Santiago carregam. Isso não é evangelho, pelo contrário, é um tipo teologicamente medíocre e que vende fé, que vende gente, que vende indulgências modernas. Entre eles e os comunistas há sim um abismo, mas eu estou ao lado das bandeiras vermelhas.

Ora, dizer que comunismo e cristianismo são antagonismos é desconhecer a teoria social de Marx. Jamais afirmei que ser socialista me tornou mais cristão, porque isso não é verdade. Mas é preciso compreender que não há neutralidade neste mundo. Ou se é de direita ou de esquerda, e para mim, nada mais cristão que apoiar a derrota de um modo de produção que mata, escraviza e aliena.

Gostaria de dizer que sempre te chamarei assim, de amigo. Mas não posso admitir que suas más experiências sirvam de pretexto para um sentimento anticomunista que expõe nossa organização como se fossemos criminosos. Muitos cristãos deram suas vidas para construir o socialismo. Frei Tito e tantos outros dominicanos, Dom Helder Câmara, Hugo Chávez, vários padres sandinistas e outros tantos nas guerrilhas colombianas. Amigo, lhe indico uma ótima leitura sobre o assunto, a obra de Frei Beto, “Fidel e a Religião”.

Mas concordamos em algo, o comunismo e este evangelho da prosperidade que a Lagoinha lhe apresentou e você abraçou, são extremamente antagônicos. Mas cuidado, este evangelho também é antagônico com o que Jesus pregou e te levará cada vez mais “Distante do Trono”. A história do quadro amaldiçoado na parede é prova de que você abraçou um evangelho cheio de misticismo e judaizante, o qual Jesus veio romper.

Desejo-lhe sorte nesta vida. Eu seguirei sempre aqui, lutando contra o falso evangelho e para construir um mundo mais justo e fraterno.


Saudações socialistas!

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